sábado, 5 de novembro de 2011

Como transformar lágrima em canção

"Ora, quem aqui não sabe o que é se sentir sozinho?"
Não sei se pela brisa com cheiro de chuva, por estar de volta à casa dos meus pais ou pela trilha sonora, hoje me bateu uma nostalgia tão forte. Como se eu pudesse voltar três ou quatro anos atrás só de fechar os olhos. E eu fecho, e eu sorrio. Não foram tempos fáceis aqueles, talvez não possa olhar pra trás e dizer que foram bons tempos, embora meu lado masoquista implore para recordar cada mínimo detalhe daquele período cinza. Ainda posso sentir o gosto de vodka barata na boca, na boca que dizia palavras tão desconexas, cheias de emoção e de dor. A boca de agora, a mesma que só cala. O período de agora não é tão diferente, se eu colocar tudo numa balança. Dói do mesmo jeito, como sempre doeu. Chego a pensar, inclusive, que é esse meu destino: passar a vida inteira deixando a vida passar por mim e deixando isso me atingir de uma forma doentia. Mas é engraçado como algumas coisas conseguem marcar a gente. Não sei se foram as pessoas, se foram as músicas de Zeca Baleiro embalando tantos porres e choros e risos e abraços e beijos e mordidas e nostalgia dos tempos que passaram e que agora eu não queria que voltassem, porque agora eu queria que outros tempos voltassem e talvez um dia eu queira que o de agora volte e eu nunca esteja satisfeita com o presente, nem com o passado, nem espere nada do futuro. Talvez nem haja um futuro. É tudo incerto. Menos eu. Eu não. Eu sou certa, eu só me conservo, infelizmente, sem mudanças. Nada de mudanças significativas, nada de impacto ou relevância. Eles não estão mais aqui, minha amiga que me abraçava e dizia que tudo ia ficar bem, agora abraça a própria barriga, o bebê que nascerá daqui a vinte dias, o seu filho, que tantas vezes ela vai se ver obrigada a dizer que tudo irá ficar bem, por mais que não fique, tal qual me dizia  que ficaria e que nunca ficou. O meu amigo, o que bebia doses puras de vodka e dividia o mesmo cigarro comigo, agora está longe demais daqui, bebendo doses puras de qualquer outra bebida e dividindo algum cigarro com outras pessoas. E eu fiquei só. Ou nem tão só assim, ainda restou a última de nós comigo. Eu e ela nos entendemos, mas sempre fomos as mais frágeis, as mais tristes. Talvez não as mais tristes, mas as que menos sabiam lidar com a tristeza. As inconformadas. As reclamonas. As que a vodka não conseguia aniquilar a dor, só acentuar. Restaram as recordações. Restou a certeza de um passado sombrio e bonito. Com amor. Meu, dela, deles. Por mais que o destino os tenha separado da gente. Ainda sorrio quando pego o telefone e posso ouvir suas vozes do outro lado. Como se voltar no tempo fosse uma questão só de mexer nos ponteiros do relógio, ou de por um outro calendário na parede. Nós quatro ainda nos entendemos bem, o tempo foi quem não entendeu a nossa necessidade de se ter por perto. Dói não ter por perto. E dói também, que quando a gente se tem por perto, não dá pra falar das mazelas da vida com aquele tom de cotidiano, há todo um resumo a se fazer, há meses de palavras presas, há palavras que se perdem nos meses e esquecem de sair. Há palavras que às vezes nem se perdem, mas são tímidas, não têm mais aquela audácia de outrora. É bonito, de qualquer forma. É saudável os ter. Eu sinto falta. Eu sinto um pedacinho de mim arrancado, ou melhor, sem hipérboles, um grande pedaço de mim arrancado, que ficou naquele passado triste. Boa parte veio comigo. Veio me abraça. E me faz lembrar de como eu sempre fui e sou só. De como eu gosto de ser assim. Do quanto isso sempre me atrapalhou e atrapalha. No fim das contas, eu só continuo sendo a reclamona. No fim das contas, meu mundo continua cinza e bagunçado. Nunca consegui ordenar minhas desordens interiores. Nunca consegui compreender a razão de me sentir e de ser desse jeito. No fim das contas, eu sou ainda a menina que ficava bêbada para fugir da realidade e para tentar preencher o vazio que o destino impusera. Mesmo em outra cidade, mesmo com a liberdade que eu achava que me faltava, mesmo sem ninguém pra me ditar ordens ou sem os ares negativos que tanto me perturbavam, eu sou a mesma. Ainda cheia de calos, ainda transbordante de dor. Talvez um pouco mais pervertida, com uns anos a mais nas costas, uns quilos a menos no corpo, um bocado mais malvada. E que agora, como antes, só precisa de força. Pra lidar, além de tudo, com a saudade dos meus anos passados. Pra lidar, acima de qualquer coisa, com a saudade de vocês.

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