segunda-feira, 19 de julho de 2010

Os dois lados da moeda.

(Parte III)
O Terceiro Lado:
Porque a moeda também pode cair de pé.

Eu não sei aonde estou. Não sei como vim parar aqui. É uma sala branca, tão branca quanto a pele de Alana e quanto as flores brancas que eu deixei em cima do caixão dela. Olho para os lados, estou sozinho. Não sei bem o que é o teto ou o que é o chão, qual meu lado esquerdo ou direito. Uma vertigem estranha. Não consigo me mexer e tenho uma leve impressão que estou dopado. Que horas são? E de que dia, Meu Deus? Ninguém a quem recorrer. Fecho os olhos e lembro dela, de mim, de nós, de como nos completávamos e de toda a falta que eu sinto. Minto. Lembro do sangue, dos cortes, dos gritos, das lágrimas, do desespero... da solidão.
(...)
- Eu quero saber o que aconteceu, doutor! E quero saber agora.
- Dona Vera, não adianta conversarmos agora, há muito o que se resolver ainda. Mantenha a calma, por favor.
- Calma? Como eu vou manter calma? Meu único filho foi acusado de duplo assassinato, é internado num hospital de psiquiatria e o senhor me manda ter calma? Francamente!
(...)
Eu posso ouvir. Você também ouve? Os passos de Alana se aproximando da porta e as chaves balançando, acho que ela as está retirando da bolsa. A maçaneta gira e de repente não há ninguém. Mas eu podia jurar que ouvi Alana chegar em casa. “– Amor?” eu ainda tento, não obtenho resposta. O único barulho que posso ouvir é o da água caindo no chão, gotas... agora paro e vejo que não posso ouvir nada além da minha própria respiração.
(...)
- Pelo amor de Deus, alguém me explique o que está acontecendo!
- Senhora, a polícia vai conversar contigo. Não se apavore, arrume um bom advogado e mantenha a paciência, vai dar certo.
- Meu filho não é assassino. Por favor, o que aconteceu? Tudo o que eu quero saber se resume a isso, por favor!
(...)
Surpresa! Feliz aniversário, amor. Você quer ver o presente que eu te trouxe? Quer? Uma faca mais afiada, para você conseguir morrer mais cedo da próxima.
Acordei de um sobressalto, mais um pesadelo. Uma tontura, preciso deitar de novo. Alana? Alana? Aonde eu estou? Infernos! Eu morri? Volto a dormir.
(...)
- Senhora, peço primeiramente que não interrompa nada do que eu te falar. Vou contar exatamente o que aconteceu. E depois, se por eventualidade tiveres alguma dúvida, nós revemos o ponto, ok?
(Dona Vera apenas acena a cabeça com um sinal de positividade.)
- Pois bem, na madrugada de sexta-feira, recebemos um telefonema avisando que ouviam-se gritos no apartamento 507 do edifício Ipanema na z...
- Por favor, me poupe de detalhes idiotas e vamos ao que interessa.
- Então, fomos até o local checar o que estava acontecendo. Ao chegarmos lá nos deparamos com o seu filho, Marcelo e dois corpos jogados pela casa.
- Prossiga.
- Uma mulher, Alana Amorim; e um homem, Victor de Melo Rezende. A mulher se encontrava nua, repleta de cortes; cortes estes, que levaram à sua morte. Acredita-se que o que tenha a levado à morte tenha sido um no abdômen que perfurou algun...
- Peço mais uma vez que me poupe de detalhes sórdidos.
- Continuo... a mulher foi morta com vários cortes, sendo alguns desses letais à sua sobrevivência. O rapaz, por sua vez, foi morto a pancadas na cabeça.
- Hum... (a mulher continha sua impaciência e nervosismo)
(...)
Amooooor, as crianças estão chorando. Vai ver o que elas têm, vai. Eu estou assistindo ao jogo, não queria perder. Por favor, linda, vai por mim. Novamente acordo subitamente e percebo que ainda estou neste quarto. Será que eu estou sonhando?
(...)
- Indiscutivelmente os dois foram assassinados. Na casa só havia eles três. As digitais do seu filho estão na faca e no vaso que foram usados para matar as vítimas. O barulho dos gritos anteriormente havia sido abafado por um aparelho de som ligado num volume ensurdecedor.
(Dona Vera sentia seus olhos encherem de lágrimas)
- Marcelo estava ao pé da porta, sentado e chorando, quando chegamos. Segurava a faca em uma das mãos e tinha a outra junto ao coração. Olhava fixamente alguma coisa no chão e pareceu não reparar nossa entrada. Ele está sendo acusado de duplo homicídio, peço que entre em contato com um advogado e esteja no fórum municipal amanhã às 9. Sinto pela frieza, mas minha função como delegado é unicamente esta. Peço também que converse com o doutor Glauco acerca dos problemas mentais do seu filho e até onde isto pode ter contribuído. Vemos-nos amanhã, até mais.
(...)
Eu estou sonhando, sonhando, sonhando, sonhando, sonhando... Alana, me acorda! Não estou gostando desse sonho. A graça já acabou, amor. Pode aparecer. Alaaaana, você tá se escondendo de mim? Cadê você, linda? Amor, deixa de birra, aparece! Vem cá que eu tenho uma coisa pra te dar, vem.
(...)
- Receio que a senhora já tenha conversado com o delegado e já esteja a par do que aconteceu.
- Sim.
- Seu filho sofre de esquizofrenia nervosa, Dona Vera. O que agravou o caso foi, que além disso, ele possui um transtorno bipolar fortíssimo. Quando o trouxeram para cá, ele não parava de falar que era o Victor e que tinha tentado salvar a Alana, porque ela era doente e tinha se suicidado.
- Continue, por favor.
- Ele está sofrendo de despersonalização e não sabe ao certo quem é. Em momentos diz ser a própria Alana, em outros diz ser o Victor. Discorre fielmente sobre tudo que ele acha que aconteceu, conta a versão das duas partes. Diz que a moça se suicidou depois do banho e que ele chegou para salvá-la mas já era tarde demais. Depois diz ser a própria moça e descreve tudo que aconteceu na hora em que supostamente cometeu suicídio.
- Ele está louco, doutor?
- Sim, minha querida. Está. Infelizmente seu problema não foi descoberto e tratado na hora certa e agora talvez seja tarde demais. Marcelo está demonstrando um comportamento violento e, por mais que não esteja consciente disso, ele oferece perigo às outras pessoas. Sinto que devamos expor esses detalhes. Alguns profissionais que acompanharam a chegada dele aqui podem depor.
- Meu filho não mat...
- Peço que não considere o assassino dessas pessoas como seu filho. Ele não é mais o seu Marcelo, Dona Vera. Aquele Marcelo não existe mais. Ele deve ser tratado e preso até melhorar e cumprir sua pena, não tente fugir disso, aconselho. Será melhor pra vocês.
- Não me deixe ainda mais confusa do que já estou.
- Receio que não seja a minha intenção.

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