sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Alice in wonderland

     Eu não sei bem por onde começar e avisar isso de antemão é a única forma que eu arrumo para exteriorizar os meus fantasmas momentâneos. Como sempre, há um vazio enorme dentro do meu peito e receio que esse vazio seja uma das poucas coisas que continua existindo e se fortalecendo dentro de mim. Acordo todos os dias esperando que estes passem logo para que venham os próximos e os próximos e os próximos e “amanhãs” cada vez mais distantes, que me transportem para longe do que sou e do que vivo agora. As horas parecem se arrastar nessa longa espera pelo futuro, pelo tudo que há de vir e nunca vem, e ainda me dói essa esperança de dias melhores. Irrevogavelmente, sinto sua falta. Nada tão intenso e nenhum sofrimento digno de roteiro de filme, mas aquele pedaço faltando de leve. Não um coração, pulmão, fígado... Mas um corte na perna, que pode ser facilmente escondido dos outros, contudo, ainda sente a ardência todos os dias ao tomar banho, ou uma leve inquietação na hora de dormir. E acho estranho isso de você, aparentemente, significar tão pouco para mim. Logo você, o meu príncipe encantado. No começo era pior, bebia sempre que me lembrava da sua voz ou do barulho da fechadura se abrindo quando tu chegavas do trabalho. Bebia, chorava, bebia de novo e acabava adormecendo em meio às minhas próprias lágrimas. Não sei bem explicar, mas era como se o meu país das maravilhas fosse qualquer lugar, desde que eu tivesse você ao meu lado. Sentia-me segura perto de você, protegida, completa e, acima de tudo, eu me sentia feliz. Não só por estar contigo, como também pelo fato de tudo naquele tempo que passamos juntos ter dado certo pra mim. Das finanças à família, passando ainda pelo bem estar no trabalho e a vida sentimental bem resolvida. Porém, depois de você ter ido embora, parece que tudo resolveu te acompanhar e eu fui ficando cada vez mais só, perdida, esquecida e sem sorte. Eu tinha tantos planos feitos para nós dois, tantos momentos únicos encravados em minha mente só esperando a hora de acontecerem. Tantos risos, tantos abraços, tantos “eu te amos” ditos com uma sinceridade ímpar em maravilhosas noites de amor. Passou. Agora eu acordo e contemplo um lugar vazio na cama, levanto, vou até a cozinha e vejo que a casa toda está assim. Tão fria. Tão triste. Abandonei aquele velho trabalho que eu tanto almejava conseguir e que perdeu completamente a graça desde que você se foi, entreguei-me de vez à vida de aposentada e me isolei de vez do mundo. Às vezes imagino caso eu morra aqui dentro, levariam meses para encontrar, ou melhor, notarem a ausência, do meu corpo. Não tenho amigos e passo semanas sem receber telefonemas ou ver ninguém. A única obrigação e responsabilidade que eu tenho é, uma vez por mês, ir à cidade para pagar as contas e fazer as compras necessárias. Além, obviamente, de aguar aquele pé de jasmim que você plantou quando ainda morava aqui, na nossa casa. Evito assistir televisão, poupo-me de programas fúteis ou de ver o apocalipse ao vivo no jornal das oito, e tenho me entregado cada vez mais a hábitos que a gente sempre discutia antigamente, e que não tínhamos direito de por em prática pela falta de tempo. Sabe, toco piano. Componho algumas melodias vez ou outra, mas todas se parecem tanto que desconfio fazerem parte de uma mesma sinfonia. Então, fico com raiva da minha incapacidade, e decido escrever. E por isso eu escrevo poemas, cartas, crônicas, romances, bilhetes, talvez até lembretes pra você e pra mim e pro mundo e pra todo mundo que eu tinha e que os anos me tiraram. Sempre iguais, assim como minhas músicas. E pinto, desenho, flores, casas, paisagens, algumas coisas que eu nem sei o que são e tento por pra fora essa bola de neve de sentimentos que nunca pára de crescer. Nada sai como eu quero. E leio, muito, sempre, quase o dia todo ou até os meus olhos arderem tanto que eu não consiga mais enxergar as letras. O que não tem sido difícil, posto que minha visão anda cada vez pior e que não sei se os óculos ainda servem de nada. Levo essa vida introspectiva e espero você voltar. Por mais que eu saiba que não volte, mesmo que queira, que tu não podes e que não está ao teu alcance. Entretanto eu espero, enquanto vejo todas as outras flores e plantas murcharem e apenas aquele velho pé de jasmim continuar verde e florido. E então me deito, tomo o meu coquetel de calmantes e espero o amanhã chegar, você chegar, as mudanças chegarem, a morte chegar até. Ou isso, ou qualquer outra coisa que ponha um basta a esse sofrimento intenso e infindo, livre de toda e qualquer positividade e maravilhas daquele país que um dia eu ousei viver. 

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