quarta-feira, 18 de abril de 2012

Let me take you down

Luísa acordou com frio no meio da noite. Eu estava tão cansado que, mesmo tendo o sono leve, não reparei que ela havia saído da cama. Não sei quanto tempo depois, eu senti que estava sozinho. Ainda não inteiramente acordado, abri levemente os olhos e ao constatar sua ausência de fato, levantei. Desnorteado, esbarrei na mesinha de centro ao chegar na sala. Ela estava enrolada num edredom, fumando, perto da janela, que ainda estava aberta, e sorriu quando olhou para trás e me viu, sonolento, dando pulinhos, numa tentativa frustrada de amenizar a dor no pé. Depois voltou a olhar para a janela e mudou a sua expressão facial em velocidade e proporções assustadoras. Eu cheguei mais perto, numa aproximação lenta, como uma forma sutil de perguntar se ela me queria ou me aceitava ali ao seu lado. 
- Abrace-me. Estou gelada.
Eu a abracei e de repente o edredom já embalava dois corpos ao invés de um. O vento frio entrava pelo apartamento e dava uma sensação de morte. Eu quis fechar a janela, ela pediu que não. Pediu para que eu a deixasse aberta. Que Luísa invejava aquele apartamento. Nela havia algo tão forte, tão ruim, dentro do peito, que daria a vida para que ela tivesse a opção de ter uma janela. Não tinha, não havia nenhuma forma de se abrir para que qualquer vento frio ou raio de sol entrasse. Continuava trancada. Feito o apartamento que vivera antes. Quitinete, sem janelas, nem telefone, nem nada que a conectasse ao mundo e à vida que acontecia lá fora. Então, abracei-a ainda mais forte, quando vi que Luísa levemente começava a soluçar um choro discreto e cheio de dor. E me doía tanto sentir-se completamente impotente diante à sua tristeza, que eu comecei a chorar junto dela. Mas ela me soltou, subitamente, e virou-se bruscamente para acender outro cigarro e puxá-lo a longos tragos, enquanto tentava se recompor e em pouco tempo já parecia completamente controlada emocionalmente. Adquiria um semblante perturbador de tanta indiferença. Eu fiquei ali, inerte, observando-a, chorando baixinho, tentando ser capaz de compreendê-la, mendigando ser uma pequena fresta que ligasse Luísa ao mundo e com a certeza absoluta que havia fracassado. A sensação de solidão continuava e era ainda mais forte agora, diante àquela mulher de feições tão rígidas, como se fosse inatingível. O amor é mesmo a coisa mais masoquista que penso ter vivido. Amá-la me doía a cada amanhecer. Não que ela não merecesse, ela só não era capaz de permitir que eu participasse da sua vida da forma correta. Eu sempre estive sozinho, nunca a tive de verdade. E mesmo que parecesse egoísta deixá-la, tão frágil, embora o disfarce de insensível, sinto que havia chegado a minha hora de ir. Depois de alguns minutos a olhando ali, de costas para mim, eu conclui que seria o certo, o mais sensato a se fazer. Fui ao quarto, juntei algumas coisas e, sem mais delongas, peguei o porta-retrato com a foto tirada pouco mais de dois anos antes, quando decidimos ficar juntos, e guardei na bolsa. Fui em direção à janela, dei um beijo em sua testa e disse que ia embora. Por um instante, torci para que ela me pedisse para ficar, que fizesse questão de mim. Ela continuou calada e só me olhou com olhos vazios. Aquela foi a última vez que eu vi Luísa. Dois dias depois, arrependido, sufocado de tanta ausência, voltei ao apartamento. A única coisa que encontrei foi uma louça suja na pia, um cinzeiro cheio e um trecho de Strawberry fields forever - Nothing's real and nothing to get hung about - como um lembrete colado na tv. Todas as janelas estavam fechadas. As portas de Luísa nunca haviam estado abertas para mim.

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