Suicídio.
Indubitavelmente, foi a primeira coisa que passou pela cabeça de Caio quando
sua menina chegou em casa com a convicção de aquele não era o seu lugar. A
ideia se deu unicamente porque ele não se julgava capaz de viver sozinho, ou
sem ela. Não estava certo. E por não se achar no direito de agir sob impulso
numa situação como essa, tampouco por se achar capaz de tomar qualquer decisão
sensata, Caio fez o que de melhor sabia fazer: estabeleceu prazos.
Uma visão
imensamente fria para alguém alheio à situação, mas eu posso assegurar-lhe que
acompanhei tudo de perto e vi que frieza passou longe do que o rapaz viveu
naquele final de ano. Um mês. Sua vida agora dependia de encontrar algo que o
desse motivos pra continuar vivendo, em um mês. Era o prazo ideal, nem demais,
nem de menos.
Foi quando
começou sua contagem regressiva. Nos primeiros dias, percebi que ele se
arrependeu de não de ter se imposto apenas uma semana. Caio girava na cama a
noite inteira, soluçava, vez ou outra. E não era por ela, sabe? De certo modo,
era um choro egoísta. Era por ele. Era por ter se vinculado a alguém de modo
que não encontrasse outro sentido. Era por lembrar que antes não havia um
sentido, mas também não havia uma dor tão latente.
Sentia-se
perdido. Tudo parecia um recomeço. Morar seis anos com alguém e de repente não
ter mais aquele alguém ali pode ser assustador. Completamente: do café da manhã
à hora de desligar a tv antes de dormir. E com quem comentar a tv. Ou a quem
pedir pra apagar a luz. Ou pra quem ligar do trabalho avisando que vai chegar mais
tarde. Ou a quem surpreender chegando do trabalho mais cedo. Era como se agora
ele começasse uma vida nova, completamente independente de tudo que viveu
anteriormente.
E tinha essa
dificuldade em fechar ciclos. E em caber em ciclos, de amizades, principalmente.
O rapaz era peculiarmente sozinho. Ainda que quando a tinha parecesse ser dela,
nunca o foi, totalmente. Não por falta de vontade, ou entrega. Nunca faltou
amor. Nunca sentiu falta de nada que ela pudesse proporcionar. Era perfeita, só
não conseguiu encarar tudo da mesma forma que ele. Por essa incapacidade de
amá-lo na mesma intensidade, agora eram só ele, o cinzeiro cheio e as xícaras
sujas na pia.
Passada a
primeira semana, ainda não havia um motivo, mas a dor se abrandara. Não me
interpretem mal, não parou de doer. Doía muito, algumas vezes até mais que nos
primeiros dias, só que de vez em quando parecia haver anestesiado, de algum
modo. De algum modo ele se achava capaz de suportar o carma. De algum modo
ficou claro de que ele só precisava de si, embora fosse melhor quando houvesse
ela.
Então saiu às
ruas na segunda semana, sua aparência não estava tão ruim. Ele levou duas
meninas para casa, simultaneamente. Não supriu o que ele precisava e esperava
que suprisse. Jogar-se numa vida de libidinagem não seria a saída, lição número
dois.
Na terceira
semana, a convicção de que era a sua última de vida já havia batido à porta.
Não por uma questão de enlouquecimento, mas de prazos. Caio então decidiu fazer
tudo da melhor forma que pudesse. Assistiu aos filmes que há tanto queria e
sempre procrastinava, leu dois livros de García Márquez que sempre mantinha na
sua cabeceira, saiu na maioria das noites. Sozinho mesmo. Voltando cedo. Só pra
comer e tomar um whisky, nada demais.
De repente já
eram seus últimos dias e sua tristeza continuava. Agora, uma tristeza
diferente. Mais um lamentar que um desespero. Caio ainda não tinha algo pra
viver ou morrer por.
Seu último dia
seria justamente o 31 de dezembro. Ele acordou mais tarde que o habitual, não
intencionalmente. Ao acordar, já sabia o que fazer. Levantou e molhou o rosto
calmamente, tomou um banho demorado. Vestiu-se com sua camisa favorita e foi
almoçar num restaurante perto de casa, nada demais, o que sempre almoçava aos
sábados. Ao voltar pra casa, ainda convicto do que faria, revirou seu
guarda-roupas e pôs uma nova roupa de cama, mudou a cortina também.
À tarde,
passou os canais da TV sem pressa. Um dos canais o chamou a atenção por estar
passando um seriado que ele costumava assistir com a moça. Logo o devaneio
passou e ele reestabeleceu sua calma.
À noite,
perfumou-se e saiu. Desta vez, ligou pra um colega e os dois foram juntos tomar
umas doses, nada de muito interessante.
À meia-noite
estava em casa. Sentou na cama e constatou que o dia inteiro esteve certo: tudo
estava normal. Tudo sempre esteve. A questão de não ver sentido nas coisas
nunca foi motivo pra não querer viver outrora, agora também não o seria. Não
iria maquiar nada. Não iria morrer agora. Desde o começo do dia eu percebi que
Caio não precisaria de mim ali, que esse mês que passamos ao lado um do outro
não seria um encontro de fato. Um dia, mais à frente, eu voltaria por ele.
Agora, deixa o rapaz continuar sua vida e sua busca incessante por um motivo.
Quem sabe, na
próxima vez que nos vermos, ele me veja com outros olhos e perceba que eu não
sou uma saída de emergência, mas sim uma consequência da vida.
Com ou sem
razões, deixa Caio viver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário