Abri os olhos devagar e vi que já havia amanhecido.
Permaneci imóvel. O braço por cima da tua cintura, um esboço de sorriso nos
lábios e a vontade de estar ali, só estar ali, sem precisar me mexer, sem
precisar que você se mexesse, só estar ali e que aquele instante também não
saísse dali, ficasse tão preso e imóvel naquela epifania quanto eu. Engraçado
até, depois de tanto tempo, depois de tanta coisa, considerar algo que um dia
já foi tão costumeiro como uma epifania. Mas havia uma clareza que enchia o
ambiente de paz e me enchia da mais verdadeira felicidade: a simples. Daquelas
sem delongas, daquelas que dominam a gente sem que nada especial precise ter
acontecido, uma satisfação crônica consigo e com o mundo, como se eu fosse tão
maior que meus problemas e nada pudesse me abalar. E nada podia, sabe? Eu
estava exatamente onde eu queria estar, no meu lugar. Sem a cabeça cheia de
minhocas que tanto tinha me mantido inconstante. Agora era como se aquela
cortina branca balançando na janela e até o jarrinho de flores que eu esquecia
sempre de aguar estivessem me saudando por ter acordado em mais um dia lindo. E
eu queria ter sempre dias lindos, eu queria ter sempre o peito assim, tão cheio
e tão leve. Mas aí eu abri os olhos devagar e vi que ainda era madrugada, que
meu braço tava caindo da borda da cama, minha cabeça ainda pulsava de
enxaqueca, e todas as lembranças me saudavam. Não era a cortina da janela,
tampouco o jarro de flor. As flores já tinham morrido, a janela não era aberta
há dias e não havia mais ninguém. Só eu, um punhado de coisa ruim na bagagem e
a fé na mudança. Rala, escassa, mas ainda ali. Exatamente ali. Olhando pra mim,
da mesma forma que eu pensei estar olhando pra você.
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