segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Dois de fevereiro

Era noite. Eu ainda estava deitada na cama desde que acordara e não tinha a mínima noção de que horas eram, só sabia que era noite. Sentia o mundo girar a minha volta e não tinha muito controle dos movimentos corporais, questionei-me um bom pedaço acerca de o que eu tinha feito no sábado e o que eu havia bebido que conseguiu me deixar naquelas condições. Precárias, diga-se de passagem. Não consegui me responder com clareza e decidi então não mais me preocupar com isso, não agora, isso fica pra depois. Pra ser bem sincera, eu não sabia muito bem o que fazer naquele momento, sabia que tinha sede e quis me levantar, faltou força. Força, coragem, vontade e tudo mais que você for capaz de listar por aí. Minha cabeça latejava de uma forma que pensei que não sobreviveria, infelizmente estava engana, sempre estive. Estiquei a mão e procurei um analgésico qualquer na mesinha de cabeceira, nada. Merda! Maldita a hora que levei os remédios para a cozinha. Tive que me levantar. Inicialmente meio trôpega, sai esbarrando nos móveis do quarto e segurei nas paredes do corredor que me levavam até a minha pequena cozinha, proporcional ao meu apartamento velho e surrado, embora muito organizado. Virginiana nata, metódica, até na minha bagunça havia uma espécie de seqüência, de seleção, o que tornava fácil encontrar qualquer coisa ali. Tomei dois analgésicos e um copo grande de água em apenas dois goles, senti a cabeça doer. Deitei no sofá da sala e tive uma vontade absurda de chorar naquela hora, ascendi um cigarro. Apenas dois tragos e o apaguei no cinzeiro. Quis levantar e arrumar a casa, mas reconheci que não era uma boa hora. Ainda trajava aquele mesmo vestido preto da noite anterior... Espera: quando foi aquilo mesmo? Procurei um relógio, havia acabado as pilhas do da sala e praguejei em voz baixa por ter esquecido de trocá-las. Voltei ao quarto e peguei o celular, que estava desligado, pus no carregador e tentei ligar, em vão. Receio que tenha acontecido algo. Procurei aquele outro e último relógio, o que você havia me dado,  que provavelmente estava no guarda-roupas e, bingo, exatamente duas da madrugada. Joguei-me no sofá mais uma vez e decidi que só sairia de lá quando lembrasse exatamente o que aconteceu. Depois de um tempo que não sei se foi longo ou curto, haja vista que deixei o relógio no quarto e não tenho noção de minutos, lembrei que havia saído de casa. Sozinha. Rua a fora nessa cidade sem vida, por becos e vielas à procura de um divertimento, de alguém pra conversar, sei lá do que. Comi uma pizza e tomei duas doses de vodka. Sai de novo, o que me fez lembrar de como é bom não dever satisfações a ninguém além de si mesma e não precisar premeditar as coisas. Lembrei também que nessa hora, depois de sorrir, senti uma vontade enorme de chorar e deixei ainda que duas lágrimas escorressem pelo meu rosto. Após limpá-las, resolvi que era hora de tentar esquecer a série de desventuras que minha vida se tornara e conseguir seguir adiante sendo apenas uma, sem nem um outro para completar. Até porque sou auto-suficiente. Até porque não adianta seguir um relacionamento a dois sozinha. Até porque você nunca foi digno do meu amor. Foi ficando tarde, meu sábado à noite não tinha mais tanta graça como antes e talvez fosse melhor eu voltar pra casa e dormir. Ao voltar, deduzi que talvez fosse melhor para em algum lugar antes e tomar algumas doses. Não duas. Não de vodka. conhaque talvez, estava frio. Assim o fiz, não sei bem que horas cheguei em casa, mas devo ter dormido até duas da tarde, mais ou menos. Quando eu peguei tua fotografia e desejei que tu estivesses ali, tu não estavas. Talvez nunca tenha estado verdadeiramente. Fumei dois cigarros e fui dormir de novo. E foi naquela hora que eu acordei, sabendo apenas que era noite. Não sentia mais sono, um cansaço estranho, não sono. Tentei dormir de novo e não consegui. Fui tomar um banho, estava suja por dentro de por fora. Dois minutos depois de entrar debaixo do chuveiro, senti que chorava e não eram só duas lágrimas, era intenso. Deixei que cada gota de água invadisse o meu corpo e lembrei do banho que Caio Fernando disse que queria tomar por dentro, eu sorri ao ver que sentia o mesmo. Sai dali e peguei o telefone, cheguei a discar seu número, mas não esperei chamar. Não te queria por uma segunda vez, por mais que quisesse. Você não poderia me atender, por mais que quisesse. Sorri também por saber que eu podia ser confusa como era, como sou, e por mais que isso me doesse às vezes, agradeci por ser também orgulhosa e por fingir pra mim mesma que eu não te esperava mais. Ao deitar naquela cama e me cobrir com aquele edredom que ainda cheirava a nós dois, quis ir embora. Pra onde? Não sei. Aquela casa não era um bom lugar pra mim agora. Mas não, eu não podia deixar que sua lembrança mal desejada pudesse tirar de mim até minha casa, meu cais. Talvez daqui a dois dias isso tudo fosse embora, não é? Ou menos até. Duas horas, dois minutos... Então eu adormeci de novo, mesmo sem sono, e tive um sonho tão real, embora tão utópico. Você comigo. Ao acordar na manhã da minha segunda-feira tomei duas xícaras de café bem quente e amargo, forte, da forma que eu me sentia. Passei numa floricultura e comprei duas flores, que deixei no cemitério sobre seu túmulo, antes de ir ao trabalho e tentar conquistar de volta aquela felicidade que eu só sentia quando vivia no plural, antes daqueles dois tiros terem tirado de vez tudo o que eu talvez tivesse. Um amor.

Quero você inteiro e minha metade de volta.

Um comentário:

  1. Grande capacidade descritiva, um texto envolvente.
    Gostei do final, não procurou clichês, foi criativa. Foi uma boa solução para o personagem.

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