sábado, 29 de maio de 2010

Qual a graça da Branca de Neve se ela derreter?

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Bom dia, meu bem! Acorda, levanta, vem ver como amanheceu bonito hoje. Uma névoa lá fora, tudo nublado, mas tão lindo. Fiz teu café, desce aqui, vai. Preparei suas panquecas de banana e fiz suco também, o que você prefere? Sabe que eu me sinto cansada? E olha que eu mal acordei, ein. Vai ver é a idade, nunca se sabe. Estou ficando velha, amor. Você não vai descer não? Malandrinho, fazendo charme para eu levar o café-da-manhã na cama, né? Nem vou, não conte com isso, minhas pernas doem demais para eu subir essas escadas. A propósito, amor, como você se sente? Assim... Pergunto de você porque eu estou estranha, sentindo uma angústia esquisita. Lembra quando eu sempre fazia gelatina colorida pra gente? Você sempre falava que eu era louca, maníaca por gelatina, quiçá a garota que mais gostava de gelatina que tu já tinhas visto, eu ria tanto. Lembra? Eu lembro. Mas olha, acho que nunca te expliquei o porquê, mas é que a estética me passava uma paz. Multicolorida, feliz, sambante. Sim, sambante, vai dizer que você nunca reparou no gingado dela? Hahaha! Acho que era justamente isso que mais me chamava atenção, aquele gingado, mesmo sem ter música bastava tocar que ela sambava. (...) Depois eu parei de comer gelatina, lembra também? Eu lembro. Foi a partir do dia que você sumiu e eu não via mais graça em tomar gelatina sozinha. O que antes sambava agora parecia estar apenas se despedaçando, tendendo a cair. A gelatina não era mais tão colorida, nem tão feliz, nem muito menos sambante. Ela só era fraca e não conseguia manter sempre a postura. Agora, sem você descer essas escadas, eu só tomo sorvete. O sorvete parece comigo, eu sempre achei. Frio, frio, mas que pode esquentar. Contudo, se esquentar se derrete, perde a forma, perde a graça. Você sempre reclamava que eu nunca demonstrava gostar de você, agora explico o motivo: eu sou como o sorvete, amor. Doce, fria e não posso derreter, se não perco a graça. Tá, eu sei que não devia enrolar tanto para resumir tudo a uma só palavra: Desculpa. Você me desculpa, meu bem? Sabe que é isso que eu vou dormir todas as noites martelando na cabeça? Se um dia você vai me perdoar por sempre valorizar mais minha mistura de personalidades, tripla, quádrupla, quíntupla até. Nunca abaixar o nariz porque o orgulho não deixava e só agora vir aqui e deixar tudo de lado pra te ter de volta. Você vai me perdoar? Eu faria tão diferente agora, eu amo você. Eu preciso de você. E é com você que eu quero passar o resto da minha vida. Mas a vida é tão curta, amor. Eu estou morrendo. Tenho câncer. Na alma. Só há um tipo de transplante que pode me salvar e só uma pessoa é que pode ser minha doadora. O transplante que eu preciso é de amor, de calor. E só você pode me ajudar. Quer salvar minha vida? Então volta. Sem você aqui eu não tenho motivo pra continuar, nada me prende. Nada além da esperança de te ter de novo aqui comigo. Minha cabeça dói. Meus olhos parecem não conseguir conter suas lágrimas, mas sabe, né? Excesso de claridade. Nunca outro motivo. Sempre eu falava isso quando você me magoava e eu deixava escorrer uma lágrima ou outra, você sempre acreditou. Às vezes me pergunto se acreditava para não se sentir culpado, para não estender o assunto, ou por não me dar atenção mesmo. Mas sabe, o momento não é oportuno para isso. Eu não me trancaria mais a sete chaves se você voltasse, permitiria que você adentrasse ao meu eu e que nós dois pudéssemos ser um só. Um só. Tudo que eu sou agora é isso: uma só. Uma só que não consegue nem sequer ser inteira, ser completa, que precisa de você pra completar porque sozinha não pode. Uma só que te ama e que só o que quer é uma chance. E que passa horas em cada cômodo da casa que tem uma foto sua, conversando sozinha feito idiota, preparando tudo como se você ainda estivesse aqui. E está. Nunca sai daqui, de mim... Volta?

(...)

E talvez ele não a tenha perdoado, talvez não tenham vivido felizes para sempre, mas ela ao menos não levaria consigo mais o peso do orgulho ter impedido-lhe de sonhar com a felicidade e com o amor verdadeiro. As vezes as maçãs estragadas podem não estar tão estragadas assim.

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