sábado, 5 de setembro de 2009

OS RATOS

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Um dia

Amanheceu, não fazia sol. Era uma quinta-feira igual a tantas outras. Na noite anterior sonhara com ratos, muitos ratos, por toda parte, ratos.

Ela não estava feliz, ela nunca estava feliz. E este dia não tinha nada em especial para que ela conseguisse mudar o seu estado de espírito, humor, ou como prefira chamar. Só os ratos.

Acordou cedo, continuava cansada. Costumava dizer que tinha muito sono, mas não creio que fosse o caso. Pelo contrário, creio que sofresse de insônia há muito tempo, o que era visível em suas olheiras cada vez mais extensas e profundas. Ela andava abatida, ninguém reparara até agora, mas ela não estava bem. Acho que “bem” ela nunca estava, seria muita generosidade referir-se a ela como “bem”, de uma forma ou outra ela não estaria bem, enfim. Ela não estava normal. Assim enquadra-se melhor à situação.

Não sabia por que, mas chorava. Chorava muito, chorava descontroladamente. Quando pensava que finalmente suas lágrimas haviam secado, era como se ressurgissem, tudo isso de uma forma espantosa.

Acabou a manhã. Acabou-se ela.

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Um diálogo

Vestiu-se e saiu. Perdida dentro de si mesma. Completamente alheia aos acontecimentos, completamente alheia ao que ocorria ao seu redor, completamente alheia a qualquer fato que se sucedesse enquanto ela estava ali, calada, ao lado de muitos, mas sozinha. Completamente sozinha.

Ela saiu, ela trancou-se, ela chorou mais uma vez. Não sabia o motivo, só lembrava dos ratos, lembrava dos ratos e chorava.

Não se continha, queria gritar, não podia. Queria chorar, então chorava mais uma vez. Levantava a cabeça, lavava o rosto. Queria apenas encontrar uma explicação plausível para o seu choro, além dos ratos. Estes não bastavam pra fazer dela uma pessoa tão infeliz. Infeliz e chorosa.

Resolveu sair do cubículo de que se encontrava, não acreditava que houvesse alguém fora dali, mas ao sair percebeu que havia.

- Por que você está chorando?

- Eu não estou chorando.

- Sim, você está chorando. Agora me diga: Por quê?

- Ninguém está chorando.

- Seus olhos estão encharcados, seu rosto vermelho, e a melancolia é perceptível até mesmo em sua voz.

- Ninguém está chorando.

Uma longa pausa se seguiu. Elas ficaram uma observando a outra, cada gesto, cada detalhe. As mãos dela batiam uma na outra como forma de apaziguar seu coração. Cada vez mais freqüente, assim como as pancadas que sentia na sua cabeça. Ah, sua cabeça. Nem reparara antes como estava doendo e doendo e doendo, e os minutos passavam enquanto as duas se encontravam ali, em silêncio. Chorando, ambas chorando.

- Por favor, me diga o motivo de você estar triste!

- Conte-me de você.

- Eu choro por ver você assim.

- Os ratos estão por todos os lados, basta apenas você abrir os olhos para eles. Não chore por mim, chore pelos ratos.

- Eu não te entendo, me explique, por favor, o motivo de você chorar.

- Eu não choro, ninguém chora aqui. Além de você, claro.

- Como você diz que aqui ninguém chora?

- Eu nunca citei ser alguém.

Um comentário:

  1. O bom disso tudo é constatar que, por mais impossível que pareça, existem mentes mais revoltosas que a sua. {Obrigado, Deus!}.

    Beijo.

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